domingo, abril 11, 2010

A periferia de São Paulo pode explodir a qualquer momento

Essa entrevista é com o escritor Ferréz que eu encontrei na Caros Amigos. Essa entrevista é interessante no sentido de mostrar como a falta de um governo que atue seriamente nos problemas de uma cidade afeta e intensifica o muro invisivel do qual estamos falando. A entrevista completa você confere no site:


Ferréz tem 33 anos, é escritor, comerciante e autêntico representante dos sentimentos e das lutas da imensa população que vive na periferia de São Paulo. Ficou conhecido porque expressa com realismo a dureza das relações entre povo e Estado, entre pobres e ricos, entre as precárias condições de vida nas favelas e a repressão policial.

Hamilton Octávio de Souza - Fale um pouco da sua vida, onde nasceu, estudou, o que faz hoje.
Ferréz - Meu nome é Ferréz, eu não uso meu nome de batismo por que eu não acredito no batismo, não acredito na Igreja Católica. Prefiro um pseudônimo, por que é uma coisa que eu inventei também, como a minha carreira. Eu sou vendedor ambulante, eu só vivo com coisa debaixo do braço para cima e para baixo para vender às editoras, sou datilógrafo também, por que escrevo e trabalho com muita coisa para poder ter o básico, então vivo de muita coisa, trabalho de muita coisa. A minha infância foi normal como a de todo moleque de favela, tá ligado? Só não soltava tanto pipa porque meu pai não deixava.

Tatiana Merlino - Mas e o PT em si? O que você se decepcionou com o PT?
Ah! Eu não sei, eu votei num partido que prometeu outras coisas, entendeu? Não prometeu escândalo, não prometeu virar as costas na hora em um julgamento, não prometeu... O PT virou outra coisa, não é o que eu acreditava não. Não estou falando que tinha que ser revolucionário, que tinha que mudar tudo, que todo mundo sair de vermelho, mas era uma coisa que eu acreditava como moleque de favela que a favela ia mudar, entendeu? Mas eu tive que esperar o PCC chegar para mudar a favela, não foi o PT... A sigla foi outra, não foi o PT que mudou a favela, então nessas partes não é um governo autoritário ruim, mas também não é o governo dos sonhos que eu lutei, que eu vendi show, que o Góis morreu na estrada tentando lutar pelo partido, que eu vi muito amigo meu morrendo lutando pelo PT e ficando velho pelo PT, não era isso que a gente queria no poder e eu não tô falando só do Lula, tô falando de todo o partido.

Lúcia Rodrigues - O PCC mudou a favela de que maneira?
De toda a maneira possível que você pensa.

Lúcia Rodrigues - Positivamente?
Depende da visão. Tem gente que pensa que é positivo, tem gente que pensa que é negativo. Mas mudou.

Tatiana Merlino - Você pode falar um pouco dos dois lados, do lado positivo e do lado negativo?
O lado positivo é que a elite não sabe mais o que é a favela, não tem nem noção. O governo não tem noção do que é a favela mais, porque é outra favela, é outra coisa... E o lado negativo é que a população sempre vai ser oprimida.

Tatiana Merlino - O lado positivo é outra coisa como?
Não tem como explicar, assim... Mas mudou, eu, por exemplo, quando eu escrevi o Manual Prático do Ódio a favela era aqui, agora se eu for escrever sobre a favela agora é outra coisa. Por isso eu não escrevo mais sobre a favela, o meu próximo romance não é mais sobre a favela, por que eu não faço mais questão da elite saber o que é a favela não, não me interessa mais...

Lúcia Rodrigues - Mas mudou exatamente o quê? Explica um pouco melhor.
Mudou tudo. Mudou a vida criminal, tem regra, mudou tudo o que você imagina na vida cotidiana da periferia mudou.

Lúcia Rodrigues - É um Estado paralelo dentro da favela?
Poder paralelo? Não, é o poder. Esse negócio de dizer que é o poder paralelo, não existe o poder paralelo, o Estado não manda na favela, quem disse que o Estado manda na favela? A PM vai lá manda o cara por a mão da cabeça e tudo, repudia o cara, mas depois o cara volta a ser da favela, entendeu? Por mais que os caras cerquem um motoboy, cerquem o cara que está dentro do ônibus, bata geral em todo mundo eles vão embora e a favela continua. Então mudou tudo e vai mudar mais ainda, ta em processo de mudança.

Lúcia Rodrigues - Mas houve regras fixadas claras? O que aconteceu?
Há regras fixadas claras e toda uma norma de conduta e de respeito que o Estado nunca conseguiu impor.

Renato Pompeu - Quem impõe?
O crime.

Otávio Nagoya – Para os moleques de dentro você acha que é melhor ou pior?
Por um lado é melhor, por outro lado não. Você imagina que a gente deixou de viver num estado em que você pisava no meu pé e você podia levar uma comigo e eu podia te matar; você podia pisar no meu pé e levar uma comigo e eu ter que me segurar e a gente ter que se segurar, mas ao mesmo tempo nós dois estamos regidos por uma força maior que pode não se segurar, entendeu? Então você pensa o que é melhor: você estourar o seu ódio ali na hora ou você viver sob constante ameaça de um ódio maior.


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